D.
Diogo Lopes era um caçador infatigável. Montado no seu cavalo branco, corria
pelos montes em busca de javalis, veados, lobos e ursos, tanto no Inverno como
no Verão. A neve, o frio, a chuva, não o detinham no castelo, porque sempre
fora um homem inquieto, amigo de correrias.
Certo
dia, porém, quando perseguia um javali no monte silvoso e agreste ouviu cantar
ao longe. E que lindo cantar!
Fascinado,
levantou os olhos para um pedregulho fronteiro e viu uma mulher tão formosa que
ficou sem pinga de sangue. Aproximou-se e perguntou:
- Quem
sois vós, senhora? Quem sois vós que logo me cativastes?
Ela riu
e o seu riso saltitava nas dobras do vento, puro e cristalino.
- Sou
uma dama tão nobre como tu.
D.
Diogo aproximou-se ainda mais. Já não conseguia afastar os olhos daquele cabelo
louro, da face gentil, das mãos brancas como a neve. Dentro do peito, o coração
parecia estourar de amor!
-
Senhora, se casares comigo ofereço-te as minhas terras e os meus castelos.-
Guarda as tuas terras, que precisas delas para cavalgar.
- Que
posso oferecer-te então para que sejas minha?
Ela
baixou a cabeça fingindo-se envergonhada. Quando falou, de novo o cavaleiro
estremeceu. Aquela voz era de perder a cabeça!
- A
única coisa que me interessa, não ma podes dar porque foi um legado da tua mãe.
- E se
eu te amar mais do que à minha própria mãe?
- Nesse
caso tens de jurar que não tornas a fazer o sinal da cruz que ela te ensinou em
pequeno.
D.
Diogo ficou hesitante. Que estranho pedido! Seria coisa do Diabo? Mas olhando-a
de frente pareceu-lhe tão bela, tão pura, que afastou os pensamentos negros.
Estava apaixonadíssimo, não conseguia resistir aos encantos da mulher, e pôs-se
a magicar:
«Afinal
de contas, para que servem as benzeduras? Para nada! Se deixar de me benzer,
continuo a ser cristão. Na primeira oportunidade, mato duzentos mouros e todos
os pecados me serão perdoados...»
Sossegada
a consciência, exclamou:
- Seja
como queres!
Depois
arrebatou-a nos braços, esporeou o cavalo e partiu à desfilada para o castelo.
Só à
noite, quando se deitaram, notou que a dama tinha pés de cabra. Mas não deu
importância a isso, porque o corpo era esbelto, esguio, de pele muito branca,
escorregadia como a seda.
Durante
alguns anos o casal viveu em boa paz. Primeiro nasceu um menino, a que chamaram
Inigo. Depois uma menina, a que deram o nome de Sol.
Diogo
amava a mulher e os filhos. Todos os dias, depois de ter cavalgado pela serra
em busca de animais ferozes, corria para o castelo, ansioso por um bom lume, um
bom jantar e, melhor do que tudo, o aconchego da família.
Uma
noite, quando conversavam alegremente sentados à mesa, Diogo reparou que o seu
melhor cão de caça dormitava junto à lareira. A cachorra, que pertencia à
mulher, farejava o aposento muito viva e irrequieta.
Diogo
pegou então num pedaço de osso bem guarnecido e atirou-o para junto do focinho
do cão, gritando:
- Toma
lá tu, Silvano, que precisas de te alimentar. À cachorra não dou nada, porque
não pára quieta!
O cãozarrão,
satisfeito, pôs a pata sobre o osso e abriu muito a boca, mostrando os dentes
afiados. Mas logo soltou um uivo de dor, pois a cachorra abocanhara-lhe a
garganta.
Diogo
levantou-se com tal rompante que entornou o vinho sobre as tábuas.
- Ah!
Cadela maldita...
Num
movimento brusco virou o corpo do cão moribundo com a ponta da bota. Pobre
bicho! Tinha o pescoço coberto de feridas.
- Por
minha fé, nunca vi uma coisa assim. Aqui andam artes de Belzebu.
Dizendo
isto, esqueceu o juramento feito alguns anos antes e benzeu-se repetidas vezes.
Foi quanto bastou para que a mulher se desmanchasse em urros pavorosos.
- Ui!!
- berrava como se a tivessem trespassado com um ferro em brasa. - Ui!!
Diogo
olhou para ela, assombrado. A pele branca ia-se fazendo negra. A mulher parecia
um animal horrendo. De boca torta e olhos revirados, erguia-se no ar, tão leve
como uma pena ao vento. Debaixo do braço esquerdo levava a filha, Dona Sol. O
braço direito alongava-se para o filho.
-
Jesus! Santo nome de Deus! - bradou o cavaleiro. - A minha mulher é o diabo!
Antes
que fosse tarde de mais, agarrou Inigo e de novo traçou o sinal da cruz.
A
mulher soltou um último grunhido e desapareceu por uma fresta junto ao tecto,
levando a menina atrás de si.
Desde
esse dia nunca mais ninguém no castelo tornou a pôr a vista em cima da mãe, da
filha e da cadela. Desapareceram por artes mágicas.
Diogo
Lopes viveu muito tempo triste, cabisbaixo, aborrecido. Talvez a mulher fosse o
diabo, mas fazia-lhe falta!
Para se
consolar, decidiu partir para a guerra. Entregou o governo dos castelos a
Inimigo, disse aos servos que desenferrujassem as armas, preparassem o cavalo,
e lá foi lutar contra os Mouros.
texto retirado de : Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada, Portugal
- História e Lendas, ed. Caminho
Carina
Ventura, 5º C
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