Palavras Entressonhadas

terça-feira, 29 de março de 2011

Nau Catrineta


Lá vem a Nau Catrineta que tem muito que contar

Ouvide agora, senhores, uma história de pasmar:


Passava mais de ano e dia, andavam na volta do mar,

Já não tinham que comer, já não tinham que manjar.


Deitaram sola de molho para o outro dia jantar;

A sola era tão rija, não a puderam tragar.


Deitaram sortes à ventura quem haviam de matar,

Logo foi cair a sorte no capitão-general.

_ Sobe, sobe, marujinho, em cima, ao tope real,

Olha se enxergas Espanha ou areias de Portugal.


_ Não vejo terras de Espanha, nem praias de Portugal,

Vejo sete espadas nuas que estão para te matar.


_ Acima, acima, gajeiro, acima ao tope real!

Olha se enxergas Espanha ou praias de Portugal.


_Alvíssaras, capitão, meu capitão-general

Já vejo terras de Espanha e praias de Portugal;

Mais, enxergo três meninas debaixo de um laranjal,

Uma sentada a coser, outra na roca a fiar

E a mais formosa de todas está no meio a chorar.


_ Todas três são minhas filhas, oh! Quem mas dera abraçar!

A mais formosa de todas contigo há-de casar.


_ A vossa filha não quero que vos custou a criar.

_ Dar-te-ei tanto dinheiro que não o possas contar.

_ Não quero o vosso dinheiro que vos custou a ganhar.

_ Dou-te a Nau Catrineta para nela navegar.

_ Não quero a Nau Catrineta que eu não sei governar.

_Dou-te o meu cavalo branco, nunca houve outro igual.

_ Não quero o vosso cavalo que vos custou a ensinar.

_ Que queres tu meu gajeiro, que alvíssaras te hei-de dar?

_Capitão, quero a tua alma para comigo levar.

_ Arrenego de ti, Demónio, que me estavas a tentar!

A minha alma é só de Deus;

o meu corpo dou eu ao mar.


Toma-o um anjo nos braços, não o deixou afogar.

Deu um estoiro no Demónio, acalmaram vento e mar.

À noite, a Nau Catrineta já estava em terra a varar!

Versão de Matilde Vieira, recolhida na Madeira por Pere Ferré

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