Lá vem a Nau Catrineta que tem muito que contar
Ouvide agora, senhores, uma história de pasmar:
Passava mais de ano e dia, andavam na volta do mar,
Já não tinham que comer, já não tinham que manjar.
Deitaram sola de molho para o outro dia jantar;
A sola era tão rija, não a puderam tragar.
Deitaram sortes à ventura quem haviam de matar,
Logo foi cair a sorte no capitão-general.
_ Sobe, sobe, marujinho, em cima, ao tope real,
Olha se enxergas Espanha ou areias de Portugal.
_ Não vejo terras de Espanha, nem praias de Portugal,
Vejo sete espadas nuas que estão para te matar.
_ Acima, acima, gajeiro, acima ao tope real!
Olha se enxergas Espanha ou praias de Portugal.
_Alvíssaras, capitão, meu capitão-general
Já vejo terras de Espanha e praias de Portugal;
Mais, enxergo três meninas debaixo de um laranjal,
Uma sentada a coser, outra na roca a fiar
E a mais formosa de todas está no meio a chorar.
_ Todas três são minhas filhas, oh! Quem mas dera abraçar!
A mais formosa de todas contigo há-de casar.
_ A vossa filha não quero que vos custou a criar.
_ Dar-te-ei tanto dinheiro que não o possas contar.
_ Não quero o vosso dinheiro que vos custou a ganhar.
_ Dou-te a Nau Catrineta para nela navegar.
_ Não quero a Nau Catrineta que eu não sei governar.
_Dou-te o meu cavalo branco, nunca houve outro igual.
_ Não quero o vosso cavalo que vos custou a ensinar.
_ Que queres tu meu gajeiro, que alvíssaras te hei-de dar?
_Capitão, quero a tua alma para comigo levar.
_ Arrenego de ti, Demónio, que me estavas a tentar!
A minha alma é só de Deus;
o meu corpo dou eu ao mar.
Toma-o um anjo nos braços, não o deixou afogar.
Deu um estoiro no Demónio, acalmaram vento e mar.
À noite, a Nau Catrineta já estava em terra a varar!
Versão de Matilde Vieira, recolhida na Madeira por Pere Ferré
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