Palavras Entressonhadas

segunda-feira, 9 de março de 2020

O príncipe com orelhas de burro


Era uma vez um rei que vivia muito triste por não ter filhos. Um dia, tomado de impaciência, mandou chamar três fadas conhecidas no reino e pediu-lhes:
– Boas fadas, vejo-me forçado a recorrer aos vossos poderes. Como a sorte não nos concedeu filhos, vivemos, neste palácio, mergulhados numa tristeza sem medida. E eu não vejo chegar a hora de ter um herdeiro que governe este reino após a minha morte. Fazei, por favor, com que a rainha me dê um filho.
As fadas prometeram-lhe que os seus desejos seriam satisfeitos e que elas próprias viriam assistir ao nascimento do príncipe.
Ao fim de nove meses, a rainha deu à luz um menino. E a primeira fada, tocando com a varinha de condão na cabeça da criança, disse:
– Eu te fado para que sejas o príncipe mais formoso do mundo.
Aproximou-se depois a segunda fada:
– Eu te fado para que sejas muito virtuoso e entendido...
Mas a terceira declarou:
– Eu te fado para que te nasçam umas orelhas de burro...
Partiram as três fadas de imediato e, para desespero do rei, da rainha e suas aias, logo cresceu uma orelha de burro de cada lado da cabeça do menino. O rei mandou sem demora fazer um barrete que o principezinho deveria usar a toda a hora, para esconder as orelhas.
Os anos foram passando e o príncipe crescia em formosura, mas na corte ninguém sabia que ele tinha orelhas de burro. Ao chegar à idade de fazer a barba, mandou o rei chamar o seu barbeiro e disse-lhe:
– Passarás a barbear o príncipe; se, no entanto, disseres a alguém que ele tem orelhas de burro, morrerás...
Ora o barbeiro andava com grandes desejos de contar o que vira, mas com receio de que o rei o mandasse matar, calava o segredo consigo. Um dia foi à igreja confessar-se e disse:
– Tenho um segredo que me obrigaram a guardar, mas eu, se o não digo a alguém, morro; e, se o digo, o rei manda-me matar. Ajude-me, padre, que hei de fazer?
O confessor respondeu-lhe:
– Vai até a um vale onde não vejas vivalma, faz uma cova na terra e diz o segredo tantas vezes quantas precisares, até ficares aliviado desse peso. Depois, tapa a cova com terra.
O barbeiro assim fez. Dirigiu-se a um vale não longe da cidade e, quando se viu em local deserto, abriu uma cova. Em seguida, pôs-se de gatas e gritou para dentro do buraco com quanta força tinha:
– O príncipe tem orelhas de burro! O príncipe tem orelhas de burro!
Depois de ter tapado a cova, voltou para casa muito descansado.

Passados tempos, nasceu um canavial no lugar onde o barbeiro tinhfeito a cova. Os pastores, quando ali passavam com os seus rebanhos, cortavam canas para fazer flautas, mas assim que começavam a tocar saíam delas umas vozes que diziam: “O príncipe tem orelhas de burro! O príncipe tem orelhas de burro!”.
Espalhou-se esta notícia por toda a cidade e o rei mandou vir à sua presença um dos pastores para que tocasse. Da flauta saíam sempre as mesmas vozes que não paravam de dizer: “O príncipe tem orelhas de burro! O príncipe tem orelhas de burro!”. Para ficar sem dúvidas, o próprio rei quis tocar, mas o resultado foi o mesmo.
Desesperado, mandou chamar as fadas e suplicou-lhes que tirassem ao filho as malditas orelhas. Então elas deram ordens para que toda a corte se reunisse e disseram:
– Ordenamos-te, príncipe, que tires o barrete.

Qual não foi o contentamento do rei, da rainha e do príncipe ao verem que as orelhas de burro tinham desaparecido! Desde esse dia, as flautas que os pastores faziam das canas deixaram de dizer: “O príncipe tem orelhas de burro!”.
João Pedro Mésseder e Isabel Ramalhete (seleção, adaptação e reconto),
Contos e lendas de Portugal e do mundo, Porto, Porto Editora, 2015, pp. 31-36

Sem comentários: