Era uma vez um rei que vivia muito triste por não
ter filhos. Um dia, tomado de impaciência, mandou chamar três fadas conhecidas
no reino e pediu-lhes:
– Boas fadas, vejo-me
forçado a recorrer aos vossos poderes. Como a sorte não nos concedeu filhos,
vivemos, neste palácio, mergulhados numa tristeza sem medida. E eu não vejo
chegar a hora de ter um herdeiro que governe este reino após a minha morte.
Fazei, por favor, com que a rainha me dê um filho.
As fadas prometeram-lhe que
os seus desejos seriam satisfeitos e que elas próprias viriam assistir ao
nascimento do príncipe.
Ao fim de nove meses, a
rainha deu à luz um menino. E a primeira fada, tocando com a varinha de condão
na cabeça da criança, disse:
– Eu te fado para que sejas
o príncipe mais formoso do mundo.
Aproximou-se depois a
segunda fada:
– Eu te fado para que sejas
muito virtuoso e entendido...
Mas a terceira declarou:
– Eu te fado para que te
nasçam umas orelhas de burro...
Partiram as três fadas de
imediato e, para desespero do rei, da rainha e suas aias, logo cresceu uma
orelha de burro de cada lado da cabeça do menino. O rei mandou sem demora fazer
um barrete que o principezinho deveria usar a toda a hora, para esconder as
orelhas.
Os anos foram passando e o
príncipe crescia em formosura, mas na corte ninguém sabia que ele tinha orelhas
de burro. Ao chegar à idade de fazer a barba, mandou o rei chamar o seu
barbeiro e disse-lhe:
– Passarás a barbear o
príncipe; se, no entanto, disseres a alguém que ele tem orelhas de burro,
morrerás...
Ora o
barbeiro andava com grandes desejos de contar o que vira, mas com receio de que
o rei o mandasse matar, calava o segredo consigo. Um dia foi à igreja
confessar-se e disse:
– Tenho um segredo que me
obrigaram a guardar, mas eu, se o não digo a alguém, morro; e, se o digo, o rei
manda-me matar. Ajude-me, padre, que hei de fazer?
O confessor respondeu-lhe:
– Vai
até a um vale onde não vejas vivalma, faz uma cova na terra e diz o segredo
tantas vezes quantas precisares, até ficares aliviado desse peso. Depois, tapa
a cova com terra.
O barbeiro assim fez.
Dirigiu-se a um vale não longe da cidade e, quando se viu em local deserto,
abriu uma cova. Em seguida, pôs-se de gatas e gritou para dentro do buraco com
quanta força tinha:
– O príncipe tem orelhas de
burro! O príncipe tem orelhas de burro!
Depois de ter tapado a
cova, voltou para casa muito descansado.
Passados tempos, nasceu um
canavial no lugar onde o barbeiro tinhfeito a cova. Os pastores, quando ali
passavam com os seus rebanhos, cortavam canas para fazer flautas, mas assim que
começavam a tocar saíam delas umas vozes que diziam: “O príncipe tem orelhas de
burro! O príncipe tem orelhas de burro!”.
Espalhou-se esta notícia por
toda a cidade e o rei mandou vir à sua presença um dos pastores para que
tocasse. Da flauta saíam sempre as mesmas vozes que não paravam de dizer: “O
príncipe tem orelhas de burro! O príncipe tem orelhas de burro!”. Para ficar
sem dúvidas, o próprio rei quis tocar, mas o resultado foi o mesmo.
Desesperado, mandou chamar
as fadas e suplicou-lhes que tirassem ao filho as malditas orelhas. Então elas
deram ordens para que toda a corte se reunisse e disseram:
– Ordenamos-te, príncipe,
que tires o barrete.
Qual não foi o
contentamento do rei, da rainha e do príncipe ao verem que as orelhas de burro
tinham desaparecido! Desde esse dia, as flautas que os pastores faziam das
canas deixaram de dizer: “O príncipe tem orelhas de burro!”.
João Pedro Mésseder e Isabel
Ramalhete (seleção, adaptação e reconto),
Contos e lendas de Portugal e do mundo, Porto, Porto Editora, 2015, pp. 31-36
Contos e lendas de Portugal e do mundo, Porto, Porto Editora, 2015, pp. 31-36
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